VIOLÊNCIA DOMÉSTICA- VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.
Saiu recentemente, a taxa de mortes de mulheres (feminicídio) no
Brasil, trazendo dados alarmantes, sobretudo para o Estado da Bahia que,
vergonhosamente para nós, ostenta o segundo no lugar em toda a nação,
respondendo por 6,90% homicídios de mulheres para cada 100.000
habitantes, perdendo apenas para o Estado do Espírito Santo.
Aduz,
ainda, a citada pesquisa que, inobstante a existência de uma lei
específica para cuidar da violência contra as mulheres – Lei Maria da
Penha - esta não teria atingido a finalidade pretendida, uma vez que os
dados estatísticos demonstraram que durante sua vigência o percentual de
mortes de mulheres praticamente permaneceu inalterado.
O resultado puro simples desta pesquisa demonstrou que outras atitudes terão que ser tomadas no âmbito da violência doméstica.
A reformulação da Lei Maria da Penha, como alguns irão pretender, não
resolverá o problema, uma vez que no Brasil existe uma prática odiosa
consistente em se ver a mulher como propriedade de seus maridos e ou
companheiros. Isso ocorre notadamente nas classes menos esclarecidas,
cujo os “machos alfa” se acham no direito de espancar, humilhar e até
mesmo matar suas companheiras, muitas vezes por motivos de somenos
importância.
Não podemos olvidar que a sociedade muitas vezes age de
forma passiva “fechando os olhos” para atos de violência praticados
contra a mulher. Isso corre com frequência bem ao nosso lado. Quem nunca
presenciou, ou pelo menos escutou um marido praticando violência contra
sua esposa na residência ao lado? Quem nunca ouviu a expressão “em
briga de marido e mulher não se deve meter a colher”?
Pois é, são
por atitudes como estas, que acontecem bem ao nosso lado, que várias
mulheres são espancadas e mortas todos os dias. Na verdade, no Brasil
morrem 15 mulheres a cada 24 horas, em decorrência de atos de violência
praticados contra si. Ou seja, antes de eu terminar de escrever este
artigo, pelo menos duas mulheres em nossa pátria perderão a suas vidas.
Mudar a “Lei Maria da Penha” de nada vai adiantar, mesmo porque em seu
aspecto material ela é muito boa e não carece de nenhuma reforma. O que
se precisa neste País é punir exemplarmente as pessoas que,
deliberadamente, praticam atos de violência doméstica “contra a mulher”.
Neste aspecto vejo como principal vetor desta modalidade criminosa,
além da cultura “machista” predominante no Brasil, a impunidade, sendo
esta, ao meu humilde sentir, a principal causa de violência doméstica.
Com referência à cultura machista do brasileiro, tive a oportunidade de
presenciar a forma como o “homem aculturado” avalia sua
esposa/companheira. Entendem eles que elas fazem parte do seu acervo
patrimonial e que, portanto eles podem fazer delas e com elas o que bem
entendem.
Apenas pala ilustrar, relatarei duas experiências que
tive como Promotor de Justiça quando trabalhei nos rincões deste meu
Estado.
Lembro-me que certa vez me encontrava no Gabinete da
Promotoria de Justiça de uma cidade do sertão baiano quando adentrou em
minha sala uma mulher com o rosto deformado e mal podendo caminhar.
Naquele instante lhe indaguei o que tinha acontecido ao que ela me disse
que o seu marido havia lhe espancado. Perguntei-lhe por qual motivo ele
teria feito aquilo? Tendo ela me respondido que ele assim agira porque
ela tendo chegado do trabalho (ela era gari da Prefeitura) não esperou
que ele chegasse em casa para que ela lhe colocasse o jantar. Alegou
ela, que naquele dia tinha ido até um templo religioso para rezar.
Contudo, tinha deixado o prato feito em cima da mesa. Neste ponto
gostaria de acrescentar que ele não trabalhava e no dia do fato se
encontrava “bebendo” com amigos em um bar.
Revoltado com essa
situação, solicitei à autoridade policial que convidasse o agressor para
comparecer à Promotoria. Por volta da 15h00min, ele adentrou na minha
sala, oportunidade em que o indaguei porque ele havia espancado sua
esposa, tendo ele me respondido que ela não esperou que ele chegasse em
casa para lhe servir a janta. Perguntei-lhe, também, se ele estava
arrependido pelo que fez? E ele me dito que não e que bateu nela porque
ela era sua esposa e ele tinha esta direito.
Naquela época
ainda não existia a Lei Maria da Penha e o fato, diante das lesões
apresentadas pela vítima que embora fossem assustadoras, ficavam
limitadas ao caput do artigo 129 do Código Penal - lesões leves - e
portanto, o Juízo competente seria o Juizado Especial Criminal, Lei
9.099/95. Confesso que naquele momento me senti impotente e vi o qual a
lei era benevolente para este tipo de criminoso. Moral da história, em
uma audiência que não participei ele deve ter dado uma “cesta básica” a
uma instituição filantrópica.
Em outra oportunidade, na mesma
Comarca, fui procurado por uma jovem a qual me relatou que havia
convivido com uma pessoa durante 02 anos e que neste período o mesmo
houvera lhe espancando várias vezes, sendo que logo após o nascimento da
filha de ambos ela resolveu se separar do mesmo, pois não aguentava
mais apanhar, agressões estas que também ocorreram muitas vezes durante a
sua gravidez e “resguardo”.
Tendo se separado do agressor foi ela,
juntamente com sua filha recém-nascida, morar com sua genitora, fato
este que desagradou seu ex companheiro que diariamente ia até a sua
residência para o fim de lhe ameaçar de morte, usando sempre a já
“manjada” expressão: Se você não ficar comigo, você não vai ficar com
ninguém!”.
Acrescente-se, ainda, que ele nutria pela vítima um
“ciúme doentio”; patológico na verdade, pois a vítima apenas tencionava
criar sua filha longe do agressor. Não tinha ela nenhum relacionamento
amoroso com ninguém. Vivia de casa para o trabalho. Isso foi muito fácil
de comprovar, pois se tratava de uma cidade muito pequena aonde todos
sabiam o que acontecia com cada um de seus habitantes.
Pois bem,
mais uma vez convidei o agressor para ir até o meu gabinete. Confesso
que fui duro com as palavras em relação a ele, contudo, durante todo o
tempo ele manteve-se impassível somente confessando que realmente
houvera ameaçado à vítima, porém, da mesma forma que o outro, achava ele
que podia agir assim, pois a vítima era sua esposa. Na mente dele, a ex
esposa era propriedade sua.
Passados alguns dias, retornei àquela
Comarca que substituía, quando fui surpreendido com a morte da vítima, a
qual ocorrera em uma fila de hospital, tendo a esta se dirigido até lá
para o fim de medicar a sua filha que se encontrava estava com febre
alta, relatando as testemunhas do fato que o criminoso seguiu sua ex
companheira até o nosocômio e, aproveitando-se que ela se encontrava
completamente distraída, cravou-lhe uma faca no pescoço da mesma, saindo
logo em seguida verberando: “Viu o que eu te disse; agora você não vai
ser de mais ninguém”.
Tão logo tomei conhecimento deste fato, adotei
todas as medidas legais, tais como o pedido da prisão preventiva dele,
inclusive solicitando apoio das polícias de outras Comarcas para efetuar
a prisão, fato este que ocorreu em menos de 24 horas, tendo o criminoso
sido preso dentro de um ônibus nas imediações de uma cidade distante.
Durante o processo ele permaneceu preso e eu fui promovido para a
capital, contudo tão logo foi marcado o julgamento do mesmo, solicitei
ao Procurador Geral de Justiça minha designação para participar do
julgamento, o que ocorreu, tendo este monstro sido condenado a uma pena
superior a 15 anos de reclusão. Soube a alguns anos que ele apenas
passou menos de 03 anos preso, pois foi beneficiado com progressões de
regime carcerário.
Foi feita Justiça? Talvez, mas nada traz de
volta a vida de uma jovem que cometeu apenas um erro na vida. Ter
conhecido o assassino com quem conviveu e teve uma filha. A vítima
quando morreu contava com 19 anos de idade.
Discorri sobre estas experiências apenas para dar uma noção de como pensa a maioria dos homens no Brasil.
O pior de tudo, como já disse anteriormente, é a impunidade nos crimes
por eles cometidos, não só contra as mulheres, mas contra todos nós.
A lei assevera o que é crime e quais as suas consequências, e neste
particular a Lei Maria da Penha é perfeita. Acontece que para fazer
movimentar esta lei necessária se faz a aplicação do Código de Processo
Penal. Este sim uma vergonha nacional.
No Brasil de hoje “bandido” é
tratado como herói e a vítima tratada como criminosa. Me perdoem os
“garantistas” de plantão, mas esta é a mais pura e dura realidade.
Sob a égide de se resguardar “direitos”, o que se tem presenciado é uma
verdadeira balbúrdia legal. Tem-se dado interpretações completamente
equivocadas ao artigo 5º da Constituição Federal. Interpretações estas
que apenas beneficiam os criminosos, relegando completamente as vítimas e
seus familiares. Estas são colocadas na “vala comum” e muitas vezes,
durante julgamentos, são taxadas como as culpadas pela sua própria
morte.
O criminoso, regra geral no Brasil, por ser primário, tem o
direito de responder ao processo em liberdade, de nada importando ter
ele tirado a vida de uma pessoa de apenas 19 anos e que com ele conviveu
amorosamente, como no caso em que falei.
Nas petições os advogados
colocam como justificativa indestrutível o fato do criminoso só ter
cometido um crime deste apenas uma vez. Ou então, tendo vários
procedimentos por violência doméstica em curso nas “Varas da Mulher”,
ainda não foi julgado definitivamente.
Usam estes argumentos e,
mesmo com parecer sempre contrário do Ministério Público, terminam por
conseguir suas liberdades provisórias, sequer passando um dia no
cárcere, independentemente do hediondo crime que cometeu.
É este tipo de impunidade que faz com que a violência, de uma forma geral, cresça de forma assustadora como vem acontecendo.
É muito comum ver sempre as mesmas mulheres nas dependências das DEAM´s
deste País. Sempre levando ao conhecimento da autoridade policial os
mesmos crimes contra elas praticados pelos mesmos agressores de sempre e
de forma reiterada. Isto é, pelos seus companheiros, que sendo presos,
conseguem quase que imediatamente “alvarás de soltura” concedidos pela
Justiça, não importando a reiteração dos crimes por eles praticados.
No Brasil de hoje quem determina os rumos do Direito e da Justiça são
os “garantistas” e os “abolicionistas”, grupos estes que se encontram
dispersos nas diversas Faculdades de Direito deste País e, infelizmente,
até mesmo no Ministério Público e no Poder Judiciário.
A bem da
verdade, as mulheres são as maiores vítimas de violência neste País. Não
apenas a violência física que geralmente culmina em suas mortes. Há que
se falar também da violência psíquica a que são submetidas diariamente;
da violência praticada contra seu corpo e sua honra. Neste particular
há que se ressaltar o infindável número de crimes sexuais – estupros -
que são cometidos contra as mulheres, crimes estes perpetrados contra as
mesmas no limiar das suas infâncias, sendo certo que este tipo de
delito, em 95% das vezes sequer chega ao conhecimento das autoridades
responsáveis. Seja por temor ou então pela dependência econômica das
mulheres em relação ao criminoso, os quais são, na maioria das vezes,
seus próprios maridos, companheiros, irmãos e até mesmo genitores.
O
problema da violência contra a mulher só será minimizado a partir do
momento em que os criminosos realmente paguem pelo que fizeram. Sejam
presos, condenados e cumpram penas privativas de liberdade.
Este
tipo de reprimenda, “cadeia” em regime fechado, com toda a certeza,
servirá também para lhes educar no sentido de aprenderem que mulher não é
propriedade de homem nenhum. Mulher é sim, um ser humano como todos
nós. Merece respeito e ser tratada, no mínimo, com humanidade.
Sempre pugnei por penas severas para criminosos domésticos. São eles na
maioria das vezes, homicidas, estupradores. Covardes na acepção da
palavra.
De nada vai adiantar mudar a Lei Maria da Penha. O que se
precisa realmente é mudar a forma de se pensar no Brasil. Jamais se deve
aceitar qualquer tipo de violência contra a mulher. Isso deve valer
também para às mesmas, que muitas vezes, por motivos sentimentais,
tendem a perdoar os seus agressores, o que só os estimula ainda mais a
continuar praticando atos de violência contra elas.
Urgente se faz a
mudança de comportamento da sociedade brasileira, bem como a
modificação das leis processuais penais vigentes, devendo-se aplicar a
reprimenda penal na forma estabelecida no Código de Leis materiais.
Fim da impunidade.
Chega de tanta violência contra a mulher.
Salvador, 26 de setembro de 2013.
Davi Gallo Barouh.